domingo, abril 29, 2007

Dia Mundial da Dança

Nesta data em que nasceu Noverre, talvez o primeiro teórico da Dança, comemora-se o Dia Mundial da Dança. Há várias iniciativas, como em muito lado. O principal será talvez o que se passará no Teatro Camões, tanto do lado de fora como de dentro. Cá fora, uma demonstração de desagrado sobre o Estatuto do Artista, e dentro a Gala Internacional de Bailado.
Vejamos o artigo do Expresso de ontem
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Carreira de 25 anos nunca foi consagrada
Bailarinos protestam contra o estatuto do artista
J.F. Palma-Ferreira

Os bailarinos da CNB vão recolher cinco mil assinaturas para uma petição que contam entregar na Assembleia da República para reanalisar a situação de reforma que nunca viram consagrada na Lei.

Os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB) vão manifestar, no próximo domingo, antes da IV Gala Internacional que realizam no Teatro Camões, em Lisboa, pelo Dia Mundial da Dança, o seu protesto em relação à forma como tem sido conduzido o processo de elaboração do Estatuto do Artista.
"Há mais de 15 anos que este Estatuto está para ser consagrado e as perspectivas que agora nos dão sobre o seu enquadramento legal remetem-nos para uma situação quase precária", considera um dos elementos da CNB que tem acompanhado este processo.
Estes artistas querem agora recolher cinco mil assinaturas para entregarem uma petição à Assembleia da República com o objectivo dos deputados reanalisarem esta questão.
A CNB é actualmente a única grande companhia de dança de reportório em Portugal, com 30 anos de existência, comemorados em Abril de 2007 – atendendo a que o Ballet da Gulbenkian foi extinto no Verão de 2005. “Durante estes 30 anos, a CNB tem sido, sem qualquer dúvida, a estrutura artística, tutelada pelo Estado português, que mais espectáculos realizou por todo o País e que também mais vezes se apresentou no estrangeiro, representando a cultura Portuguesa, sempre com inigualável sucesso”, refere um dos elementos da CNB.
No seu corpo artístico, há já um elevado número de bailarinos que tem entre 20 a 30 anos de prestação, na sua grande maioria, ao mais alto nível. “A exigência física e mental a que foram sujeitos durante as suas carreiras, efectuando um serviço público ao país e à sua cultura, é equiparada à alta competição, e, por isso, a repercussão da prática desta profissão durante tantos anos, torna-se extremamente penalizante para a sua saúde”, observa o mesmo elemento. Apesar de desempenharem uma profissão de desgaste rápido, “estes bailarinos não possuem qualquer tipo de acompanhamento médico especializado”, refere.
Quando comparado o estatuto consagrado aos bailarinos clássicos na maioria dos países da União Europeia, nota-se que, com idênticas condições de trabalho, beneficiam de um sistema de reforma antecipada, concedido entre os 40 e os 45 anos de idade, o que configura carreiras com 25 anos de duração.
Neste sentido, este grupo profissional propôs uma alteração da actual Lei, de forma consagrar a reforma a quem possua uma carreira de 25 ou mais anos, com contribuições de valores acrescidos e com possibilidade de retroactividade. Esta proposta solicitou ainda a criação de um programa de reconversões para actividades condizentes com a sua experiência. Nomeadamente, o ensino da dança nas estruturas oficiais existentes e, ou, a reactivação da Escola da CNB.
Esta proposta, segundo referem, surge na sequência das expectativas que foram criadas aos bailarinos da CNB ao longo dos últimos anos, o que se confirma pelo teor dos próprios programas eleitorais de praticamente todos os partidos políticos.
Os elementos da CNB adiantam que “a elaboração do primeiro projecto de Lei reconhecendo a especificidade desta profissão foi da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e remonta a 1994. Em 2001 foram aprovadas – mas não regulamentadas – na Assembleia da República as alterações agora propostas. E em 2004 foi novamente votada favoravelmente esta pretensão”.
Em 2006, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, reconheceu “a especificidade da actividade destes bailarinos e assumiu o compromisso em encontrar uma solução aplicável, de reformas antecipadas que dignifiquem esta profissão”, acrescenta o bailarino da CNB.
Assim, os trabalhadores da CNB consideram-se confrontados com duas preocupantes realidades. A primeira relaciona-se com a nova administração conjunta da CNB e do Teatro São Carlos, que já constitui a sétima alteração ao Estatuto da Companhia – que ainda desconhecem como projecto artístico e que foi apresentado sem terem sido solucionados problemas estruturais tais como as aposentações, reconversões ou formação de jovens bailarinos.
A segunda realidade preocupante é a da proposta de um novo regime laboral para os artistas de espectáculos. Esta proposta foi revelada com o pretexto de melhorar as condições de outro tipo de artistas, mas o que acontece é que vem piorar ou mesmo tornar precárias as condições de trabalho dos artistas da CNB, criando formas subjectivas de avaliação de “perda de aptidão profissional”. Esta avaliação permitirá que durante as suas carreiras lhes sejam propostas eventuais reconversões ou simplesmente indemnizações indignas.
Os trabalhadores da CNB pretendem “que o reconhecimento do valor destes artistas não se resuma a prémios, condecorações presidenciais ou ao papel de meros acompanhantes ao estrangeiro de presidentes e ministros”, refere o elemento citado. Neste sentido, tomam a iniciativa pública de denunciar a situação em que continuam a trabalhar, sem a consagração de um Estatuto de Artista que responda aos problemas decorrentes do desgaste rápido da sua profissão.
Assim, pretendem recolher as 5.000 assinaturas necessárias para levar a questão à Assembleia da República, atendendo à preocupação sentida com o Projecto de Lei que regulamenta a actividade dos artistas de espectáculo, recentemente aprovado em Conselho de Ministros.
“Este documento levanta algumas dúvidas e preocupações aos bailarinos da CNB, nomeadamente no que diz respeito ao seu artigo 18.º que regulamenta a reclassificação destes artistas – apesar de, numa reunião com representantes da CNB, que teve lugar a 11 de Abril de 2007, os elementos do Governo nos terem afirmado que esta reclassificação não se aplica aos trabalhadores da CNB. A verdade é que em nenhuma parte deste documento se salvaguarda esta afirmação”, acrescenta a mesma fonte.
Por isso, consideram que fica em aberto toda a sua avaliação sobre a sua valia profissional e a possibilidade dos respectivos contratos de trabalho serem rescindidos arbitrariamente. “Não sabemos quem decidirá sobre a nossa capacidade ou incapacidade profissional, o que fundamentará a decisão de terminar ou reconverter uma carreira, deixando esta avaliação dependente da subjectividade de uma pessoa ou grupo de pessoas”, refere o mesmo elemento.
No caso de serem confrontados com uma reconversão profissional, consideram que o documento em causa não faz qualquer referência à criação de possibilidades práticas para que essa reconversão se realize. Por outro lado, o documento refere que, “no caso de o trabalhador não aceitar a reclassificação proposta pelo empregador ou de não existirem outras funções compatíveis com as suas qualificações profissionais, o contrato de trabalho caduca.”. Ou seja, não dá ao trabalhador qualquer tipo de opção uma vez que a mera não-aceitação leva à caducidade do seu contrato.
Instado pelo Expresso a comentar esta situação, o secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, garantiu que é uma preocupação do actual Governo consagrar um estatuto digno para a carreira dos bailarinos e que a regulamentação deste projecto de Lei terá de ser feita pela Segurança Social em diploma específico, aplicável apenas aos bailarinos. Esta questão deverá enquadrar o período de carreira do bailarino e especificar o seu estatuto de desgaste rápido, mas Vieira de Carvalho não adiantou mais pormenores, explicando que essas matérias não são tuteladas pelo seu ministério.
Mesmo assim, o secretário de Estado considera que o recente enquadramento legal aprovado em Conselho de Ministros já é mais favorável que o regime geral do Código do Trabalho, pois permite o pagamento de indemnizações no caso do empregador invocar e comprovar que o trabalhador está desadequado às funções que exerce.

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