terça-feira, julho 31, 2007

Ciranda da Bailarina



(30/7/2007)Criança usa imagem do balé como tática de sobrevivência


Nos sinais da Cidade, sensibiliza a figura da bailarina com vestes sujas e cabelo espetado (Foto: Francisco Souza)


Menina vestida de bailarina chama a atenção e comove entre os pedintes em avenidas do Papicu e Água Fria
Todo mundo tem pereba, lombriga, unha encardida. Só a bailarina que não tem, já dizia Chico Buarque na música “Ciranda da Bailarina”. Mas, de repente, entre carros e ônibus de Fortaleza, no barulho do trânsito, surge a figura borrada de uma bailarina com vestes sujas, cabelo espetado e pés no chão pedindo dinheiro nos sinais.
A menina tem apenas 10 anos e vem comovendo alguns motoristas com sua seqüência de passos, que lembram bailarinas de caixinha de música. Mas por que? O que faz com que esta figura tenha destaque maior entre os vários outros performers de rua com seus malabares, narizes de palhaço ou demonstrações de habilidades físicas.
“A bailarina é uma figura limpa, responsável, dedicada. Nada de mau acontece com ela. Então, quando um adulto vê uma criança vestida de maneira, logo faz uma transferência deste imaginário associado a oportunidade de uma vida melhor”, avalia Rosa Primo, que é coordenadora de Dança da Funcet e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Só que esta menina foge a este imaginário. A “bailarina” das ruas conta que apenas ganhou a roupa de uma vizinha e achou interessante para usar como estratégia para se diferenciar dos outros pedintes. Nunca fez aula de balé, nunca passou por um projeto social e nem sonha em ser bailarina.
Portanto, a figura e a história desta menina formam contrastes. Até porque a figura da bailarina clássica típica não anda descalça e nem passa fome. Mas esta em especial está ali, nos sinais, buscando a sobrevivência crua do dia-a-dia, de ter dinheiro para comer. Os colegas que vêm com ela da Praia do Futuro tentam imitar sua performance, com o mesmo objetivo.
“Esta menina não tem para si um sonho de Cinderela. Sua performance é uma possibilidade de sobrevivência. Não tem como finalidade atender a algum apelo consumista. Sendo assim, esta situação quebra com a expectativa, muito difundida pelos projetos sociais, de que a arte tira as pessoas da rua e dá a elas uma oportunidade de trabalho”, analisa Alexandre Barbalho, professor do Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Para o professor, a estratégia desta “bailarina” funciona porque atinge o desejo coletivo de que a menina tenha um sonho de Cinderela.
“As pessoas pensam: podia ser meu filho, minha filha. E o complexo de culpa da sociedade vem à tona”, pontua Alexandre Barbalho.
Malabarismo social
Para o professor César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal, o fato dos projetos sociais, privados e governamentais, estarem focando ações nas atividades artísticas pode estar contribuindo para o surgimento dos “artistas de rua”, que vão para os sinais em busca de um trabalho informal.
Malabares em punho, nariz de palhaço em ação, show pirotécnico, argolas, demonstrações de habilidades físicas fazem parte do arsenal adquirido por parte das crianças e adolescentes. Só que, ao invés de um trabalho bem remunerado, alguns estão encontrando nos cruzamentos uma forma de adquirir dinheiro para a sobrevivência diária.
E enfim, Chico Buarque tem razão ao concluir que “Sala sem mobília / Goteira na vasilha / Problema na família / Quem não tem / Procurando bem, todo mundo tem...”.
Thaís Gonçalves Repórter

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