segunda-feira, outubro 15, 2007

Ainda Sobre os Intermitentes

Em Maio de 2004 os intermitentes manifestaram-se nas carpetes glamorosas do Festival de Cinema de Cannes.
Na altura, atento ao fenómeno, compilei uma série de notícias que aqui partilho convosco.


Godard quer "fazer saltar o Festival"?
"Nós, os cineastas franceses seleccionados para o Festival de Cannes, queremos exprimir a nossa solidariedade para com o movimento dos 'intermitentes'": é assim que começa o apelo lançado por doze realizadores cujos filmes participam nas diversas selecções do festival de cinema mais célebre do mundo. Entre os assinantes distinguem-se Raymond Depardon, Tony Gatlif, Agnes Jaoui e Benoit Jacquot, que frisam: "Se os 'intermitentes' não existissem, os nossos filmes também não existiriam. É urgente encontrar soluções duráveis." Os apoiantes dos "intermitentes" recusam fazer comentários públicos, para não interferirem nas negociações entre os artistas e a organização do Festival de Cannes.
Em contrapartida, a solidariedade manifesta-se de forma pecuniária: as contribuições importantes dos realizadores financiam as deslocações e as estadias dos artistas e técnicos ao (caríssimo) festival. É neste contexto que corre um boato inquietante: o mítico realizador Jean-Louis Godard, que apresenta um filme em Cannes, fora da competição, terá dado cinco mil euros aos artistas e acompanhado o gesto com uma pequena frase: "Tomem, e façam saltar o festival." Segundo um dos sabotadores da edição de Cannes em 1968, a frase faz tremer os organizadores do festival.


A Vitória dos "Intermitentes"
Quarta-feira, 12 de Maio de 2004
A pressão dos "intermitentes" sobre Cannes acabou por resultar em algumas conquistas para estes profissionais (contratados) do espectáculo, após a reunião de ontem com os organizadores, que a todo o custo tentavam evitar que o festival fosse afectado. Os "intermitentes" vão poder expressar o seu descontentamento face à reforma do sistema de segurança social, que, dizem, os penaliza. E vão poder fazê-lo já hoje, ao final da tarde, na subida da escadaria do Palais pelas vedetas mundiais do cinema, que antecede a abertura oficial do festival. Essa foi a primeira vitória. Foi-lhes ainda disponibilizado um teatro municipal para "local de trabalho e de reunião", diz o comunicado da direcção do festival. As iniciativas acordadas prevêem ainda, sexta-feira, uma conferência de imprensa numa sala de cinema e uma outra no domingo, no Palais, onde vão estar "o 'comité de suivi' (sindicalistas), realizadores e artistas presentes em Cannes". No sábado vão também poder realizar um piquenique numa praia de Cannes, para um "reencontro com o público", diz o mesmo comunicado. No acordo, "os representantes dos intermitentes afirmaram a sua vontade de respeitar a missão do festival - acolher os artistas de todo o mundo e ajudar os filmes".


Cannes Avança, mas com "Intermitências"
Ana Navarro Pedro
Terça-feira, 11 de Maio de 2004
O festival de cinema de Cannes não está ameaçado, mas ainda ontem os organizadores e os "intermitentes" tentavam evitar que o mais importante festival de cinema do mundo seja prejudicado. O próprio primeiro-ministro francês Jean-Pierre Raffarin tentou, ontem também, reduzir as possibilidades de uma acção dos "intermitentes" em Cannes, pedindo para que o organismo responsável pelo subsídio de desemprego abra novas negociações. Seja como for, algo se vai passar amanhã em Cannes, dia em que começa o festival. Será na célebre subida da escadaria pelas vedetas mundiais do cinema? Será nas projecções dos filmes? Ou nas conferências de imprensa? Um destes momentos fortes do festival foi escolhido, em segredo, como principal alvo dos artistas franceses chamados "intermitentes" (porque trabalham apenas com pequenos contratos a prazo) na sua luta. Reclamam uma renegociação da reforma do sistema de segurança social específico desta categoria profissional. Uma reforma feita há já um ano, com o intuito de diminuir o défice da caixa que lhes paga o subsídio de desemprego, mas que os artistas nunca aceitaram. E depois de terem obrigado à anulação da maior parte dos festivais de teatro e de música no Verão de 2003, os "intermitentes" não estão dispostos a deixar passar a oportunidade de fazer as suas reivindicações em Cannes, sob o olhar de 4000 jornalistas de todo o mundo. Determinado, também, a não ceder, o Governo tem dito que a reforma não será alterada. Mas em vésperas da abertura do Festival de Cannes, o novo ministro da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres, tentava chegar a um compromisso. Depois de ter desbloqueado, na semana passada, uma verba de 20 milhões de euros para os casos de maior injustiça - como os das artistas grávidas que ficaram sem cobertura social por não encontrarem trabalho durante a gravidez -, o ministro pediu ontem aos artistas para terem "um gesto" de boa vontade. Por seu lado, o primeiro-ministro, Jean-Pierre Raffarin, afirmou primeiro que estava fora de causa ceder, e acusou os "intermitentes" de se comportarem como "raptores que tomam os festivais como reféns". Mas esta atitude suscitou protestos nas fileiras da sua maioria de direita, e junto dos responsáveis das autarquias organizadoras de festivais - e muito especialmente a de Cannes. Reunidos com sindicalistas do espectáculo num colectivo de controlo chamado "Comité de suivi", os políticos levaram o chefe do Governo a recuar. Raffarin acabou por mudar ontem de atitude. Numa carta endereçada ao UNEDIC, o organismo responsável pelo subsídio de desemprego (em França, são os parceiros sociais - organizações patronais e sindicais -, reunidos em organismos específicos, que gerem as quotizações sociais e os pagamentos dos subsídios de desemprego e das pensões de reforma), Raffarin pediu que abra negociações com os artistas. Ao fim da tarde, uma porta-voz do UNEDIC disse que o sistema pode ser revisto precisamente no caso da artistas grávidas, mas que "está fora de causa" rever a reforma na sua totalidade antes de 2005. Pouco confiante na hipótese de um solução negociada até ao começo do Festival de Cannes, amanhã, os organizadores passaram ontem o dia a negociar com os representantes dos "intermitentes". A ideia era combinar com eles os momentos em que os artistas poderão fazer publicamente as acções de protesto, sem todavia paralisarem ou sabotarem o festival. "Nós queremos ser escutados, mas nenhum de nós deseja rebentar com o que é, afinal, o nosso instrumento de trabalho", garantiam ontem sindicalistas do espectáculo.

Quem São Os "Intermitentes" "
Intermitentes" - São assim chamados não só os "saltimbancos ", mas também os técnicos de som, electricistas, operadores de câmara, costureiras, motoristas, etc. Ou seja, todo o pessoal necessário ao mundo do espectáculo mas que não tem nenhuma garantia de emprego uma vez terminados os respectivos contratos numa produção. 100.000 - Número de "intermitentes" em França que beneficiam de um regime específico de segurança social com um subsídio de desemprego particularmente generoso; 35 mil trabalham no cinema, rádio e televisão, e 65 mil no chamado "espectáculo vivo", como o teatro ou os concertos. 828 milhões de euros - Défice do regime de segurança social dos "intermitentes". 21 por cento do trabalho oferecido pelas televisões públicas é assegurado por "intermitentes" do espectáculo, ou por técnicos forçados a trabalharem com contratos deste tipo. 240 dias de trabalho foi a média fornecida por cada "intermitente" às televisões públicas em 2003, contra 190 fornecidos pelos empregados do quadro.

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