domingo, janeiro 21, 2007

Dança como terapia

Dossier PSIQUIATRIA, in Diario do Nordeste, Brasil
Na revisão dos tratamentos psiquiátricos, a dança tem ocupado lugar privilegiado

Não faz muito tempo, a rede pública de saúde de Fortaleza contava apenas com três Centros de Apoio Psico-Social (Caps), espécie de curinga na revisão e renovação dos tratamentos psiquiátricos no Brasil, contraponto aos hospitais de internação. Agora, são 14 unidades. Em cinco delas, funcionam, sistematicamente, oficinas de dança, dentre outras linguagens artísticas, para os usuários assistidos.

No Caps Nise da Silveira (Regional I), Lionete Portela, 42 anos, não perde sequer uma aula do professor Possidônio Montenegro. “Eu entro na sala com 60 anos e saiu com 15. Encontrei na dança uma alegria de viver”, conta. Em tratamento contra a síndrome do pânico, ela se diz mais segura, sente seu corpo menos tenso, leve. Lutando contra a depressão há dez anos, Sandra Ferreira (Sandrinha), 35, conta que a dança a ajuda a se controlar mais. Também depressiva, Edivanilsa Maria da Silva, 32, comemora: “Minha médica já está pensando até em reduzir o medicamento”. Claudenilson Mendes, 33, com transtorno bipolar, lhe faz coro. “Cada vez que danço é um degrau que subo na escada da minha melhora”, festeja.

Passado um ano do início do curso, o professor Possidônio Montenegro, nome de destaque no circuito da dança cearense, se apega a depoimentos como esses para avaliar com mais propriedade o processo. “A dança contemporânea já induz com que se procure compreender cada bailarino em suas singularidades. No Caps, a inclusão da dança nos tratamentos tem possibilitado justamente isso. Vejo hoje cada um dos pacientes com um domínio, uma propriedade maior de seus próprios corpos. Isso é uma descoberta, uma conquista, muito grande. A dança ofereceu a eles o que pode oferecer a qualquer outra pessoa: um conhecimento maior de si”, pondera.

Supervisor do Projeto de Arte e Intervenção Psico-Social da Prefeitura de Fortaleza, o psiquiatra Raimundo Severo Júnior, defende a inclusão de outras atividades no tratamento de transtornos mentais. “A lógica da psiquiatria era inversa. Teve, durante muito tempo, foco no atendimento hospitalar. É, no entanto, necessário pensar no tratamento para além disso. Como também é necessário rever a questão dos medicamentos. Para mim, todo tratamento concentrado exclusivamente no uso de medicamentos é nocivo”, argumenta.

Também mestre em Saúde Pública, Severo lembra que não é nenhuma novidade a utilização da arte por profissionais de saúde. Referência no trabalho, a médica Nise da Silveira(1906-1999), por exemplo, nos anos 40, já oferecia a seus pacientes a oportunidade de experimentar várias linguagens artísticas. “O paciente com transtorno mental é tradicionalmente excluído. A sociedade penaliza tudo o que é diferente. Então, penso que seja fundamental garantir que essas pessoas não sofram restrições outras para além daquelas que a doença lhes impõe”, ressalta.

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